• Av. Padres Olivetanos, 475, Vila Esperança - São Paulo/SP
  • Av. Padres Olivetanos, 475, Vila Esperança
    São Paulo/SP

A miragem da punição

23 de fevereiro de 2024

A miragem da punição

Vamos combinar uma coisa aqui, pra começarmos bem a conversa: educar não é fácil. Aliás, é bem difícil. Freud, que cá pra nós foi genial, já dizia que educar é uma tarefa impossível (palavras dele, não minhas, mas concordo sem nem piscar). Então a gente tenta, faz o que pode e torce pelo melhor. 

Nesse nosso caminho, meio caótico, meio organizado, a gente tenta ensinar as coisas que pensamos ser importantes para o desenvolvimento de uma criança capaz, autônoma, mentalmente saudável (porque de doido basta a gente) e feliz. Mas, e quando a criança faz tudo o contrário do que pode e, digamos, risca a parede, quebra aquele vaso de porcelana chinesa duvidosa que sua tia comprou na Liberdade ou, só para te aporrinhar (pelo menos é o que parece), joga todo o suco no chão limpinho da cozinha? 

Não sei vocês, mas eu particularmente sinto raiva. Às vezes, até um tanto acima do que o politicamente correto aprovaria. Quem nunca, não é?

Nessas horas a gente lembra da nossa própria infância e já vem aquela imagem da chinela acertando partes aleatórias do nosso corpo e, pra finalizar, aquele castigo interminável em algum canto bastante tedioso da casa. Talvez uma boa parcela de nós também tenha escutado, enquanto passava pela experiência, a habilidade de nossas mães na separação de sílabas na língua portuguesa enquanto agitava seus braços armados em nossa direção com um utensílio qualquer para nos causar dor: 

“A-GO-RA VO-CÊ A-PREN-DE A NÃO FA-ZER- MA-IS IS-SO!” 

Bom, a real é que isso não ensina nada. Não ensinou a mim, nem a você, e nem a ninguém. Você pode até nunca mais ter riscado a parede, mas não houve aprendizado nenhum, você não adquiriu nenhuma habilidade ou comportamento novo de fato. É aí que está a miragem, metáfora essa que espero ter sido bem escolhida. 

Sabe no deserto quando você acha que vê aquela fonte de água, mas no fim não era real? Com a punição, a coisa funciona de forma parecida. Isso acontece porque a punição não cria repertório de comportamento positivo. Ela pode cessar algo que não queremos, mas a chance de o tiro sair pela culatra é grande. Se você pune seu filho por usar celular demais, ele vai dar um jeito de fazer escondido e não ser pego. Se você pune sua filha por ter roubado o material de alguém na escola, ela vai continuar roubando, mas agora será mais esperta e vai tapear você também. 

Isso tem até nome: comportamento de esquiva. Quer dizer que a criança vai passar a ter um comportamento para esconder outro comportamento de você, na tentativa de não sofrer a tal da punição tão indesejada. 

Você nesse momento pode até estar se lembrando de alguma coisa parecida que fez na infância e adolescência, certo? Sair escondido, culpar alguém, mentir, enfim... de novo, quem nunca? 

Mas, também não dá pra não fazer nada, certo? Certo. Quando a gente vê algo errado, é preciso corrigir. Por outro lado, se punir batendo, gritando ou castigando não vai produzir nada interessante, o que fazer? 

Aqui tem uma infinidade de possibilidades, podendo ser adaptadas em cada caso, com cada criança. Mas, a ideia principal é: que habilidade ou comportamento novo eu posso ensinar para meu filho para que ele substitua aquele que não é adequado por outro mais positivamente adaptado? 

Esse texto em específico não vai detalhar muito essas possibilidades (não se preocupe, vamos trabalhar essas temáticas em outro momento), mas acho que a ideia ficou clara. Temos de ensinar novos comportamentos para que estes fiquem no lugar de comportamentos errados antigos. O caminho é esse, gente, não tem muito pra onde correr. Dá trabalho, mas o resultado é muito mais sólido e verdadeiro. Bem diferente de uma miragem, não é?


Henrique Costa Barros
Psicanalista e Educador Parental
@paz_e_filhos