Acolhimento em tempos de pandemia: a coletividade, a escuta e a amorosidade.
30 de abril de 2021
“Acolher uma criança na escola de infância significa muito mais que
deixá-la entrar no ambiente físico, designar-lhe uma sala, uma turma, escolher
um lugar para ela ficar. O acolhimento não diz respeito aos primeiros momentos
da manhã ou aos primeiros dias do ano escolar. Acolhimento é um método de
trabalho complexo, uma atitude, um modo de ser do adulto, uma ideia chave no
processo educativo”
Gianfranco Staccioli
Acolher é um dos princípios fundamentais que permeia a proposta pedagógica do Vivência e Convivência, não apenas no período que muitos classificam como “adaptação”. O acolhimento está presente no processo educativo, no cotidiano, nos encontros, nas chegadas, partidas, no individual e coletivo, nos espaços e nos convites ao brincar.
Quando fomos surpreendidos pela pandemia, nossos educadores passaram dias e noites a estudar meios para que o princípio inegociável do acolher não desaparecesse frente à visão higienista que o Covid nos impõe. Foram maratonas de lives, inúmeras leituras, muitos diálogos e trocas.
Então, notamos que inicialmente precisávamos nos acolher mutuamente quanto equipe, e foi o que fizemos, unimos forças e acolhemos o medo uns dos outros, as angústias e partilhamos tardes de reflexões. Entendemos que agora fortalecidos precisávamos compreender as famílias, entendemos que as escolas estavam com as portas fechadas, mas a educação não!
Enquanto a escola se fez presente através de janelas virtuais em salas, calçadas, quintais e varandas, em noites pouco estreladas em tempo incertezas reunimos pais, familiares, educadores e crianças em lindas rodas de conversa. Proseamos sobre infâncias, angústias... Sobre as inúmeras demandas de um cotidiano com todos em casa... Sobre questões econômicas e sociais, medo e principalmente afetos. Conquistamos uma rede de afeto! Conquistamos uma comunidade educativa de empatia singular.
O tão esperado
momento do retorno às aulas chegou! Junto a ele a esperança do reencontro, da
retomada (ainda que não como de costume) das rotinas, o desejo de ver as mudas
do parque a florir, as crianças a habitar um espaço tão seu, as gargalhadas, os
choros, as canções, as indagações, a vida que pulsa e que ficou silenciada no
chão da escola. Juntos planejamos um acolhimento, repleto de intencionalidades,
de estudos e emoções que se intercalam. Acreditamos que o ato de acolher neste
momento requer três outros princípios imprescindíveis:
COLETIVIDADE:
- Grupo de indivíduos que possuem
interesses comuns / agrupamento.
AMOROSIDADE:
(pensando no
conceito de Paulo Freire)
- Porque é um ato de coragem, é um
compromisso com a humanidade.
ESCUTA:
- Ação de escutar e ouvir com atenção;
- Ter sensibilidade de se conectar com
o outro;
- Escutar não apenas com os ouvidos,
mas com o corpo todo observando;
- Escutar como um verbo ativo, que
interpreta e produz sentidos e reflexões;
- A escuta é emoção;
- A escuta demanda tempo e pausas;
- Escutar requer que mostremos a nós
mesmos o valor do desconhecido, para que vençamos o sentimento de precariedade
que toma conta de nós sempre que nossas certezas são colocadas em crise.
- Ouvir todos os envolvidos no processo
(educadores, familiares, a comunidade e principalmente as crianças)
Tomando como parâmetro esses princípios, e norteados por nosso projeto político pedagógico, entendemos que acolher exige as seguintes intervenções:
- Que as famílias se sintam seguras e corresponsáveis nos cuidados dedicados à prevenção da saúde das crianças (e consequentemente do coletivo);
- Direito de estar presente, na medida do possível;
- Direito de ser orientada e compartilhar decisões a respeito dos cuidados e do acompanhamento da criança;
- Acolher as crianças e ouvi-las de fato, e permitir que expressem seus sentimentos (medos, angústias, preocupações, alegrias e etc);
- Assegurar o direito das crianças de serem tratadas com afeto, compreensão e consideração e não serem submetidas a situações que cause constrangimento, insegurança, intimidação ou cerceamento dos movimentos que sejam inadequadas para suas características etárias de desenvolvimento;
- Promover um ambiente pensado, planejado e planejado que assegure os princípios da Educação Infantil, do nosso PPP e do Currículo da Cidade – Educação Infantil, onde a criança possa explorar, participar, brincar, expressar, conviver e conhecer-se;
- Atuar em pequenos grupos;
- Utilizar as múltiplas linguagens para que as crianças expressem suas emoções e sentimentos e assim se desenvolvam;
- Proporcionar momentos de livre brincar;
- Promover e priorizar as brincadeiras ao ar livre e com elementos naturais;
- Avaliar de forma reflexiva e coletiva, periodicamente nossas ações.
Diante do
desconhecido, nossas intenções parecem sucintas, mas entendemos que é no
desconhecido que nos reinventamos, sem deixar de lado princípios inegociáveis
na Educação Infantil.
REFERÊNCIAS:
- CAMPOS, Maria Malta et al. Para um retorno à escola e a creche que respeite os direitos fundamentais das crianças, famílias e educadores. Brasil, 2020.
- STACCIOLLI, Gianfranco. Diário de Acolhimento da escola da infância. Campinas: Autores Associados, 2013.
- PENZANI, Renata. ‘Pedagogia da Escuta’: a escola sob uma perspectiva malaguzziana. Lunetas, 2017. Disponível em: < https://lunetas.com.br/pedagogia-da-escuta/ >