Aprender e aplicar, aprender e aplicar... (parte 2)
17 de abril de 2025

Nesse texto eu gostaria de continuar uma conversa anterior sobre como intervir na educação da criança de forma mais eficiente e precisa. A ideia base do primeiro texto era que para que as coisas ocorram de forma mais fácil a gente precisa se apoiar em duas frentes: treino e educação.
Como havia sido apontado, treino é repetição. É fazer, fazer e fazer. É a experiência de vida mesmo, construída a partir de uma atitude consciente e sincera da busca pela melhora. A educação é promovida através do que estamos fazendo aqui. Leitura, debate, estudo, reflexão. Ou seja, aprender e aplicar, aprender e aplicar.
Discutimos um pouco a conceitualização de 3 âmbitos do desenvolvimento de “habilidades e percepções significativas”, que é o conjunto de áreas onde podemos ajudar nossas crianças a se desenvolverem. Assim, falamos sobre a contrução de habilidades pessoais, a importância da criança nas relações do grupo e sobre o senso de capacidade para conduzir a própria vida.
Nessa parte 2, vou continuar trabalhando os outros 4 âmbitos do desenvolvimento de habilidades e percepções, e também dar dicas práticas de como trabalhar com elas.
Falemos agora sobre o quarto âmbito: habilidade intrapessoal. Essa é a habilidade da criança identificar, avaliar e intervir em emoções e pensamentos próprios. É conhecer-se da melhor maneira possível e saber o que fazer com isso para que possa lidar com as questões da vida. Tenho pra mim que esse aspecto é um dos menos desenvolvidos nos adultos e isso tende a trazer diversos problemas quando enfrentamos dificuldades.
Uma forma de trabalhar essa habilidade é o desenvolvimento de uma rico vocabulário emocional. Sempre que a criança manifestar algum tipo de emoção, você pode nomear para ela o que está sentindo, e ajudá-la a relacionar aspectos físicos da expressão emocional. Por exemplo, você pode dizer “filho, isso que você está sentindo é raiva. Você fica muito bravo e quer bater em todo mundo quando está com raiva. Seu rosto fica fechadinho, você aperta suas mãos e começa a falar alto. Está vendo? Isso chama-se raiva”. Você pode ainda usar o filme Divertidamente para começar esse tipo de exercício, uma vez que elas podem recorrer a essa referência visual de forma mais fácil. Comece trabalhando esses sentimentos básicos do filme e conforme a criança cresce, alguns mais sutis podem ser adicionados, como ciúme, frustração, ansiedade, esperança, calma. O objetivo é ela internalizar a crença: “eu entendo minhas próprias emoções e pensamentos e por isso consigo me autodisciplinar”.
O quinto âmbito é a habilidade interpessoal. Essa é a habilidade de trabalhar, lidar e conviver com outras pessoas. É a capacidade de se conectar, seja de que forma for, da maneira que for, e viver junto com outras pessoas. Não é necessariamente a experiência de relações pessoais próximas e significativas, mas sim a capacidade de gerenciar as diversas relações que aparecem na vida, como a amorosa, familiar, profissional, social, casual etc.
Uma maneira de trabalhar isso tudo é o processo de reparação saudável. O princípio é o seguinte: quando fazemos algo de errado, precisamos reparar isso, mas de uma forma saudável que não gere culpa, mas sim um senso de responsabilidade para com o outro. Isso é reparação. Então, quando a criança de alguma forma fazer um mal para alguém, como por exemplo bater ou morder o colega, a gente pode, gentilmente, ir conversar com ela sobre as consequências de seus atos. Aqui não é pra fazer a criança se sentir culpada, mas apontar um outro lado da situação que ela talvez não esteja vendo.
“Filho, eu vi que você ficou bravo e bateu no colega. Você percebeu que ele chorou bastante? Será que doeu? Como será que ele ficou? Será que ficou assustado? De que outra forma você poderia ter conversado com ele?”, nesses exemplos de diálogo a gente vai estimulando a criança a pensar e examinar a situação, levando com consideração o ponto de vista do outro. Agora vem o ponto chave: “de que maneira a gente pode resolver isso? Como podemos reparar as coisas com o colega?”. Dessa forma a criança aprende a olhar a vida por outros ângulos, reconhecer que errou e resolver de forma saudável e responsável. Culpa paralisa, mas a responsabilização através da reparação, empodera. O objetivo é ela internalizar a crença: “eu consigo conviver e respeitar todos a minha volta”.
O sexto âmbito é o que chamamos de habilidade sistêmica, ou seja, a capacidade de reconhecer e respeitar limites e consequências. Aqui, a criança entende que tem direitos sim, assim como os outros e que alguns comportamentos comprometem essas delimitações. Quando isso ocorre, algumas consequências podem se impor.
Um exemplo de situação cotidiana para se trabalhar isso é algo bastante comum: crianças que quebram brinquedos. Ao ver uma criança brincado de tal forma que você sabe que ela irá danificar algo que ela gosta, você geralmente conversa e explica que aquilo não pode acontecer, certo? Caso ela continue e de fato quebre o brinquedo, ficará bastante chateada e pode até querer outro. Pais punitivos tendem a deixá-la de castigo por isso, dar broncas e colocar a criança em uma situação de maior sofrimento. Isso não gera nenhum tipo de aprendizado (tem um texto que fala um pouco sobre as consequências da punição que é bem interessante). Uma abordagem mais respeitosa acolhe a criança e explica as consequências de alguns atos, que essas coisas podem acontecer e que precisamos lidar com elas para aprender a evitá-las no futuro. Não precisa haver crueldade na fala, mas sim, gentileza e firmeza. A gentileza reconhece o sofrimento, e a firmeza reconhece que consequências são necessárias.
Se o brinquedo quebrado for de uma outra criança, e essa tal criança proibir seu filho de brincar com outros brinquedos dela, é possível discutir como os limites do coleguinha foram ultrapassados quando ele não tomou cuidado, e que a consequência disso por um tempo será a proibição imposta pelo outro. O objetivo é ela internalizar a crença: “mesmo eu ultrapasse os limites de alguém e tenha de sofrer as consequências disso, serei capaz de fazê-lo com equilíbrio e responsabilidade”.
Por fim, o sétimo âmbito: habilidade de avaliação. Aqui a ideia é que a criança aprenda a avaliar situações a partir de seus valores pessoais internalizados. É o desenvolvimento de uma bússola pessoal forte que orienta as atitudes da criança mesmo quando não estão com os pais.
Uma maneira possível de trabalhar isso é a repetição de jargões em momentos apropriados. Por exemplo, seu filho está no parque e vê uma lagarta andando devagar no chão. Vocês param para observá-la e ele manifesta a vontade de pisar nela. Se for um valor para sua família não matar animais indefesos (e eu torço para que seja), você pode impedi-lo e dizer “nós não matamos animais por diversão”. Se ele começar a perguntar o porquê disso, você pode desenvolver a ideia desse valor com ele. Quando esses jargões são internalizados, eles se tornam frases autoinstrutivas. Ou seja, quando a criança estiver sem você e ver outra lagarta, irá adotar um comportamento a partir desse valor introjetado. Fazer isso tudo é bem diferente de dizer “porque não!”.
Essa habilidade irá ser muito útil a partir da adolescência, pode acreditar (“eu não bebo e dirijo porque a minha segurança e a dos outros são importantes”, “eu não me submeto ao que não quero fazer porque minha opinião importa”, “eu me esforço para atingir o que quero, por isso mantenho minha rotina”). O objetivo é ela internalizar a crença: “eu sempre ajo a partir dos meus valores, e não de valores impostos por outras pessoas”.
Portanto, podemos apontar que as 4 últimas habilidades e percepções significativas são: conhecer a si mesmo, conseguir conviver com outros de maneira saudável, entender/respeitar consequências e conseguir avaliar situações a partir dos valores pessoais.
Ufa! Terminamos. É bem complexo isso tudo, eu sei. Existem muitas outras formas de trabalhar o que o texto trouxe, mas tenho certeza de que a partir do momento que você entender a ideia e começar a praticar, vai ficar muito mais fácil e automático. Afinal, é o que já sabemos. Precisamos aprender e aplicar, aprender a aplicar.
Henrique Costa Barros (CRP: 06/210223)
Psicólogo Clínico e Educador Parental do Vivência e Convivência
@psi_henrique.costa