• Av. Padres Olivetanos, 475, Vila Esperança - São Paulo/SP
  • Av. Padres Olivetanos, 475, Vila Esperança
    São Paulo/SP

“Eu moro aqui também!” – por que adaptar a casa para a criança?

22 de janeiro de 2025

“Eu moro aqui também!” – por que adaptar a casa para a criança?

Existe um aspecto cultura parental no nosso país bastante nociva, na minha opinião. Todo mundo já ouviu, ou conhece alguém que ouviu, dos pais a seguinte frase: “enquanto viver embaixo do meu teto, vai ser assim”, ou “sou eu que pago tudo aqui, então vai ser desse jeito”. As frases podem variar, mas a ideia é essa. Parece que antigamente isso era mais forte, mas, vira e mexe isso reaparece.

A gente parece que atrela poder econômico e financeiro com uma hierarquia de poder rígida em casa. Quem paga, manda, basicamente.

Existem muitas questões problemáticas nesse tipo de dinâmica, como por exemplo, aceitação condicional inflexível, humilhação, controle... Como o respeito e o amor podem ser construídos e mantidos de forma saudável se isso aparece de maneira recorrente nas relações?

Qual o lugar desse filho nessa casa? É aquele que tem expressividade, tem voz? É aquele que para ser ouvido, precisa pagar? E quando ele não tem condições de assumir essa posição? E o que acontece quando ele assumir? Será que vai haver um sentimento de respeito mútuo ou disputa de poder, agora que são equivalentes? Quando esse filho sair de casa, vai querer voltar? Vai voltar se precisar? 

Bom, esse assunto é longo e não vai ser em um texto que ele será esgotado. Mas, o que eu queria trazer hoje é como isso começa a aparecer desde o nascimento da criança. 

Algumas famílias, quando nasce um filho ou filha, se preocupam muito com limites e regras. Eles são importantes, não me entenda mal. Mas, cada coisa no seu tempo e da forma correta. Bom, quando essa criança chega, é relativamente comum alguns pais não quererem adaptar a casa para esse novo morador. 

Os cristais, os vasos, os copos, nada sai do lugar onde estavam. “A criança desde cedo tem de aprender”. A mesa de centro na sala, as garrafas no armário baixo, o tapete do corredor, nada pode ser mexido, afinal “a criança tem de aprender”. 

Não vejo maldade na maioria dos pais que adotam essa postura, mas alguns pontos podem ser levantados para reflexão, não acham?

Primeira coisa que eu proponho que pensemos é sobre o existir e ocupar espaços. Qualquer pessoa tem o direito de ser o que é e viver a partir disso. Isso não quer dizer fazer sempre tudo o que quiser, mas existir a partir de suas condições naturais possíveis. Um bebê não tem condições naturais de entender regras rígidas (como não mexer nos cristais) quando seu cérebro está inundando ele com desejo e curiosidade de explorar o mundo. Uma criança de 7 anos, já tem plenas condições naturais de compreender isso. Um bebê não tem condições naturais de entender que não pode bater objetos de metal e fazer barulhos altos (ele está testando a realidade e isso é o principal objetivo do seu cérebro), já uma criança de 5 anos, consegue entender que barulhos têm limite.

Partindo do ponto que devemos respeitar as condições naturais das pessoas, como pensar o direito delas de ocupar a casa? 

Eu penso que tanto a criança quanto os adultos podem ter suas individualidades respeitadas a partir de uma realidade adaptada. Pensando numa balança que se move a partir da capacidade de compreender a realidade, cada um dá conforme sua habilidade para tal. Então, um pai de 30 anos que ama seu videogame na sala tem muito mais capacidade de entender que terá de tirá-lo dali por uns anos para deixar seu filho de 1 ano, que tem muito menos capacidade de compreensão, explorar mais livremente o espaço. Uma mãe que ama seus livros expostos na mesa de centro, tem maior capacidade de entender que eles terão de ir para o alto do guarda-roupas por mais uns meses, até que a filha de 2 anos cresça a ponto de entender que não pode riscá-los. 

Conforme o tempo passa, essa balança vai se equilibrando. Com 4 anos, talvez essa criança tenha mais condições de compreensão, e os livros possam voltar para o lugar de origem. Com 3 anos e meio, aquela outra criança sabe que aquele aparelho bonito é especial e importante para o papai e que não pode mexer nele sozinho. Cada coisa no seu tempo e dentro da capacidade natural de cada um transitar pela realidade.

Ao fazer isso, mensagens importantes estão sendo passadas. Mensagens de respeito e acolhimento para a criança, por exemplo. Abrir espaço para ela, tirar as coisas que quebram do seu caminho (mesmo que a casa não fique tão bonita quanto antes) é o mesmo que dizer “eu amo tanto você que te recebo da forma que você precisa”. Conforme ela cresce e novas adaptações são feitas, dando responsabilidade para ela com os objetos da casa, você passa a mensagem de empoderamento e credibilidade. É o mesmo que dizer “eu confio em você para cuidar da nossa casa, você é capaz disso”.

Se cultivarmos essa cultura de acolhimento e gradual atribuição de responsabilidade, a dinâmica da família pode ser muito mais saudável. Não vai ter a possibilidade ou necessidade de se usar o poder financeiro para mediar as relações. Ali, todos terão espaço, cada uma à sua maneira e capacidade natural de existir.

Dinâmicas difíceis e entroncadas não surgem do nada. Assim como as boas, elas também são construídas, desenvolvidas e mantidas. Que tal desde o início a gente investir numa relação mais amorosa, acolhedora e respeitosa? Podemos começar a fazer isso dando boas-vindas aos novos membros. Afinal, a casa também é deles, não? 


Henrique Costa Barros (CRP: 06/210223)
Psicólogo Clínico e Educador Parental do Vivência e Convivência
@psi_henrique.costa