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Habilidades são coisas que se constroem com tempo...

05 de fevereiro de 2025

Habilidades são coisas que se constroem com tempo...

Tem um exercício muito bacana que aplico em alguns pais que revela aspectos interessantes da forma de criar filhos que eles estão adotando. Em um determinado momento da atividade eu peço para eles fazerem uma lista das qualidades que eles gostariam que seus filhos tivessem quando fossem adultos. 

Aqui, quase todos os pais escrevem as mesmas coisas: autônomo, com iniciativa, corajoso, autossuficiente, gentil, esforçado, inteligente, amoroso... e por aí vai. Depois, a gente começa a investigar como o caminho para essas coisas se realizarem está sendo traçado e é aqui que os insights acontecem. 

Bom, a primeira coisa a se entender é que tudo isso que eles escrevem podem ser vistos por um ponto de visa um pouco diferente. Ao invés de chamarmos de qualidades, podemos começar a chamar aquilo tudo de habilidades.

Sim, habilidades. Ser autônomo é uma habilidade, ser esforçado é uma habilidade, ter iniciativa também é, ser gentil, amoroso, corajoso, tudo isso são habilidades. Existem formas de se fazer tudo isso, comportamentos que precisam ser aprendidos, maneiras de pensar que precisam ser desenvolvidas. Não se nasce assim. Uns podem ter mais facilidade que outros, mas ninguém, absolutamente ninguém, nasce sendo ou sabendo aquilo. Logo, se aprende. Portanto, são habilidades. 

Entender isso é importante porque muda a forma de olhar para o que ensinamos às crianças. Se a gente entende que tudo aquilo que desejamos e sabemos ser bons para elas são habilidades a serem aprendidas, podemos começar a ter atitudes específicas para desenvolver isso com elas. Assim, com o tempo e constância, elas vão absorver as informações necessárias para criar os hábitos bacanas que queremos passar pra elas. 

Bom, voltando ao exercício. Depois que esses pais entendem que tudo aquilo são habilidades que podem ser desenvolvidas, começamos a olhar para a relação entre eles e os filhos, a rotina da criança, a sincronia entre os pais etc. Investigamos um conjunto de coisas que vão facilitar ou dificultar que a criança aprenda o que precisa. E aí os pais percebem que as vezes existem certos “buracos” que vão impedi-los atingir aqueles objetivos. 

Esse texto aqui é sobre um aspecto desse longo processo: a atribuição de responsabilidades. 

Conforme a criança cresce a gente começa a ter mais possibilidades e oportunidades de passar tarefas para elas. O problema é que a maioria dos pais ou começa a fazer isso muito tarde e/ou atribui a eles muito menos do que podem ou conseguem. A sociedade deu uma guinada absurda nesse sentido. Antigamente, se atribuía demais e hoje, de menos. Se antes era relativamente normal crianças de 7 ou 8 anos responsáveis pela limpeza da casa e refeições, hoje temos adolescentes de 17 ou 18 anos que não fazem absolutamente nada em casa.

Como achar esse equilíbrio de forma saudável? 

Bom, é interessante entender os benefícios de se atribuir responsabilidades. Já falei sobre o desenvolvimento de habilidades, mas vai muito além disso. Alfred Adler postulava que todo ser humano tem um impulso dentro de si que o empurra para a cooperação. Naturalmente temos dentro de nós um desejo de sermos úteis, de contribuir com a comunidade. Toda criança quer ajudar de alguma forma. 

Quando conseguimos contemplar esse desejo, sentimos uma satisfação, uma alegria, um sentimento de “dever cumprido” para com o grupo. Nenhum elogio é tão poderoso quando a sensação de utilidade, conquista. Assim, no momento que você permite que seu filho de três ou quatro anos passe um pano na mesa e o parabeniza e agradece pelo feito, a sensação de felicidade e orgulho que ele sente são muito mais interessantes e duradouros do que o bem-estar assistindo um desenho, por exemplo.

Essa recompensa interna é muito benéfica e saudável para o desenvolvimento da criança. Quando isso acontece com frequência, ela cria em si um padrão, uma crença de que é capaz, de que é participativo, de que pode contribuir. Não é só sobre a limpeza em si, mas sobre criar dentro dela uma forma de se entender, de se enxergar. De ter a certeza de que é uma pessoa capaz, poderosa, importante. 

Percebe? 

Se desde cedo for atribuído às crianças certas atividades, se elas perceberem que isso contribui com o andamento da casa, que elas conseguem fazer a vida de todos um pouco melhor, ela não só irá aprender aquela atividade específica (como lavar roupa), mas também o hábito de que coisas precisam ser feitas cotidianamente, que ela tem plena capacidade de fazer o que for preciso, de aprender a suportar o tédio de fazer obrigações necessárias quando não se quer, dentre muitas outras coisas. 

Ok, então aqui vão algumas dicas simples, que aliás, aplico algumas aqui em casa com o Bernardo (ele tem 4 anos no momento que escrevo isso).
• Deixe a criança levar a chave do carro quando forem sair. Ela passa a ser a “guardiã das chaves”, tendo a responsabilidade de levar as chaves até o carro e apertar o botão do alarme para destravar as portas;
• Quando for varrer a casa, pegue o aspirador de pó e deixe a criança usá-lo como se fosse a “pazinha”. Você varre, junta um pouco de pó e ele vem aspirando só esse pedacinho. Dessa forma, vocês dois juntos estão limpando a casa;
• Deixe-a guardar parte das compras de supermercado;
• Aliás, quando forem fazer as compras, mostre como se escolhe os alimentos, ensine os nomes dos vegetais e o que se faz com eles;
• Sempre que possível, deixe-a lavar a louça com você (se a rotina é corrida, combine com ela um dia específico só para isso, como domingo de manhã. Não tenha pressa em terminar e nem busque a perfeição, somente o desenvolvimento e bem-estar dela);
• Se tiver animais de estimação, deixe-a ajudar na limpeza do espaço e alimentação (o Bernardo limpa a caixa de areia dos gatos e coloca ração para eles);
• Deixe que elas mesmas façam os pedidos do que querem comer nos restaurantes ou comprar nas lojas;
• Deixe-as ajudar na separação das roupas e a guardá-las;
• Ensine-as a usar as máquinas de lavar;
• Ensine-as a planejar as compras da casa;
• Ajude-as a decidir passeios em família;
• Ensine-as a separar as roupas da escola para o dia seguinte, guardar seus calçados e bolsas quando chegam e colocar suas garrafinhas para lavar no fim de semana. 

Toda vez que ela fizer algumas dessas coisas, mostre o quão importante isso é para a família. Não precisa ser nada exagerado, só precisa ser verdadeiro. 

Não se engane, caro(a) colega pai/mãe, isso demanda tempo e um tantinho de energia. Mas, o que não demanda, não é mesmo? Sempre é mais fácil colocar eles na frente da televisão e ter o espaço livre para fazer o que precisa ser feito. Eu sei, eu entendo e às vezes faço isso aqui também. Porém, se a gente tentar colocar na nossa rotina os momentos de desenvolvimento dos pequenos através da mediação das responsabilidades, conseguiremos atingir alguns dos objetivos daquela lista do exercício. Afinal, tudo aquilo são habilidades. E habilidades se aprende.


Henrique Costa Barros (CRP: 06/210223)
Psicólogo Clínico e Educador Parental do Vivência e Convivência
@psi_henrique.costa