O cérebro “inundado” - Uma maneira possível de lidar com a inevitável birra
12 de dezembro de 2024

Nunca conheci nenhum pai ou mãe que não sofresse com esses famigerados momentos de birra da criança. Todo mundo (ou quase todo mundo...) sabe que é normal, que toda criança tem e que vai passar. Ainda assim, poucas coisas são tão difíceis na parentalidade do que ter de lidar com isso.
Até aí, sem novidade. Mas, esse texto não pretende se manter no óbvio, certo? Então vamos lá. Primeira coisa é definir de forma simples o que é a birra.
A birra é o nome popular para uma manifestação comportamental de natureza emocionalmente carregada que acontece por conta de um “fluxo desequilibrado” de informação. Basicamente, a amigdala e o hipotálamo do cérebro mandam uma enxurrada de informações com forte valor emocional e reativo para todo lado. Quando isso tudo chega no lobo pré-frontal (essa parte do cérebro que fica bem atrás da sua testa), que é a parte responsável pelo raciocínio, cognição, controle inibitório, compreensão de regras, ponderação etc., acontece um... como dizer?... “problema na linha de produção”.
Essa parte da frente do cérebro da criança não está ainda bem desenvolvido, diferentemente da amigdala e hipotálamo. Ou seja, enquanto esses dois caras estão a todo vapor na fábrica, o lobo pré-frontal ainda está acordando (e ele acorda bem devagar).
Então, depois que toda aquela informação chega nesse tal lobo, ele não sabe bem o que fazer. Ele não sabe lidar com aquele tanto de demanda e aí meio que trava ou trabalha bem devagar.
Vamos ver como isso fica na prática. Seu filho está lá querendo comer a última banana e você descasca pra ele. Quando ele pega a banana na mão seu rosto enruga, olhos marejam, boca fica encurvada e você já sabe... ele não a queria descascada. Começa a birra, o choro, o caos. No seu ponto de vista, não foi nada demais, é só uma banana. Mas pra ele... ah pra ele... aquilo foi um sacrilégio. Olhe só.
Ele sentiu a vontade de testar a realidade através de sua mais nova habilidade recentemente adquirida: a manipulação de objetos de forma mais refinada, usando as mãos. “O que essas duas belezinhas podem fazer não é brincadeira! Vou colocar em prática agora!”, pensa ele. Cheio de vontade, expectativa, alegria, ele se lembra de que a banana é uma boa forma de fazer isso. Usar as pontinhas dos dedos e mostrar pra mamãe e para o papai o quão forte e esperto ele é. “Eles não perdem por esperar, vão ver o que eu posso fazer, aposto que deixarei eles bem felizes também!”.
Ele se levanta do sofá cheio de garra, corre até a cozinha e atira o discurso cuidadosamente antes preparado: “mamãe, por favor, quero uma banana”. É a hora, é agora, lá vem ela... ué. Como assim?
Cadê a oportunidade de ser forte e poderoso? Usar as minhas mãos? Agradar papai e mamãe e mostrar o quão esperto eu sou? Pois é...
O cérebro dele é inundado de reações emocionais frente à essa situação adversa (trabalho feito pela amigdala e hipotálamo) e isso tudo chega no lobo pré-frontal (isso, o cara que ainda é bem devagar e não sabe lidar com esse tanto de informação difícil). Resultado: o seu filho reage da única maneira que CONSEGUE, que é chorar, ficar com raiva, triste...
“Mas ele sabe que era só pedir outra coisa, ele sabe falar, já conversamos que não pode fazer esse tipo de coisa aqui em casa” você vai me dizer. Ele pode até saber, mas naquela hora o lobo pré-frontal, responsável por tudo isso aí que você falou, estava praticamente inoperante. “Mas, ele sabe...” Não importa... “Mas, a gente já conversou...” Não faz diferença.
Naquela hora não existe nada disso. Ali, só existe o sentir, o reagir... nada mais
Bom acho que ficou claro como a coisa se dá. E agora, o que fazer?
Vale a pena ter em mente que a birra passa. Sempre passa. Em média entre 3 e 4 minutos. Mas, tem algumas coisas que você pode fazer pra ajudar ele a passar por isso (e deixar tudo amis fácil pra você também). Primeira coisa é OFERECER acolhimento. Digo oferecer porque às vezes a criança está tão agitada que não vai querer o abraço. Você pode seguir o seguinte script e ir adaptando conforme precisar:
“Nossa, parece que você queria descascar a banana sozinho. Poxa, eu não sabia, sinto muito por isso. Acho que você ficou muito bravo/triste. Você quer um abraço pra ficar melhor?”
Pode ser que ela aceite na hora, pode ser que não. Se não, simplesmente diga: “você realmente ficou bem bravo/triste. Não é fácil ficar assim. Se quiser um abraço eu estou aqui, tá bom?”. Não force nada mais que isso.
Se ele começar a querer jogar ou quebrar as coisas, você não deixa. É importante que esse limite seja bem estabelecido, porque ninguém tem o direito de destruir nada só porque está chateado. Não precisa ter uma abordagem punitiva com isso, nem brigar com ele. Basta dizer: “eu sei que você ficou chateado, mas aqui em casa a gente não pode quebrar nada e nem bater em ninguém. Se você precisar de um abraço estarei aqui pra você”.
Quando isso tudo passar, o lobo pré-frontal estará em melhores condições de aprender e agir. Então você pode ensinar algo pra ele, como por exemplo, uma forma mais interessante de se manifestar quando estiver chateado, ajudá-lo a nomear os sentimentos dele, ensinar uma forma mais específica de pedir as coisas etc.
A questão é que toda criança passa por isso muitas, muitas e muitas vezes. Isso será assim por anos, mas com o tempo o tipo de expressão muda. A gente vai se adaptando. O cérebro demora muitos, muitos anos pra se formar por completo e até adultos fazem birra (com muito mais frequência do que gostaríamos).
Nosso trabalho é ajudar nossos filhos a passarem por esses momentos da melhor maneira possível. Não é fácil, é cansativo, demanda uma energia absurda nossa. Mas, se a gente aprender e aplicar algumas estratégias vai ficar melhor pra todo mundo. Lembre-se que são preciso duas pessoas pra acontecer um embate, e não é responsabilidade da criança ser o que resolve.
Henrique Costa Barros (CRP: 06/210223)
Psicólogo Clínico e Educador Parental do Vivência e Convivência
@psi_henrique.costa