"O dia em que meu filho resolveu ficar careca"
22 de maio de 2025

Gente, hoje eu vou pedir uma licença e trazer um episódio bem pessoal mesmo. Vou contar uma história de família e, com alguma sorte me ajudando a escrever, eu consiga discutir algo interessante que seja bacana para vocês também.
Na época que isso aconteceu meu filho tinha completado 4 anos há não muito tempo. Ele sempre teve cabelos cacheadinhos que eu e minha esposa éramos completamente apaixonados e que eram mantidos em casa mesmo. A gente cortava, cuidava etc.
Um dia, e eu não me lembro muito bem de onde veio essa ideia dele, ele resolveu que queria raspar a cabeça. Tirar tudo mesmo, ficar bem careca. Nesse momento, duas questões se levantaram na minha cabeça.
A primeira era o desejo pessoal meu de manter meu filho com uma aparência que me agradava. Queria meu filho com aquele cabelinho que eu gostava porque, dentro do meu julgamento pessoal, aquele estilo era bonito. Esse impulso era completamente meu, a partir da minha ótica.
O segundo era a convicção de respeito pela infância e pelo meu filho que eu tento sempre manter ativo. Ou seja, aquele era um momento chave onde eu teria que provar que meus valores eram mais importantes que desejos pessoais.
Optei pelo segundo (ainda bem) e levamos ele no salão para fazer o novo corte. Cortamos bem baixinho e ele ficou em silêncio o tempo todo. Quando acabou ele disse “não foi isso que eu pedi. Eu quero careca mesmo”. Ali percebi como eu ainda estava tentando de alguma forma manipular a escolha do meu filho (parte na tentativa de poupá-lo caso ele não gostasse e parte porque ainda julgava que completamente careca não seria bonito dentro da minha ideia pessoal de beleza). Mas também percebi que meu filho está cada vez mais forte em defender o que acredita, e isso foi bem legal de ver e reconhecer.
Depois de “passar a zero” ele se olhou no espelho e ficou completamente radiante. Ele se reconheceu, deu um passo por si mesmo e, dentro de um ambiente de suporte, testou a vida da maneira que quis. Ele ficava passando a mão na cabeça e dava risada. Parecia um monge budista tibetano.
Naquele dia, avisamos a professora para “preparar a sala”. Ficamos temerosos que alguma criança pudesse entender aquele estilo de maneira diferente, acabar caçoando dele ou algo assim. A escola foi extremamente receptiva e a professora adaptou a proposta pedagógica para as crianças poderem explorar suas imagens pessoais, a forma como se enxergavam e se entendiam.
Nesse dia, tiraram uma das fotos mais lindas que eu tenho dele. Ele estava com uma camiseta cheia de tinta e cheirando uma flor.
No fim, todo mundo na sala o recebeu muito bem e tudo deu certo. Acho que depois disso ele já raspou a cabeça mais umas 2 vezes.
Quis trazer essa história para que possamos em conjunto refletir sobre alguns pontos. Talvez como nós às vezes entendemos os filhos como uma extensão da gente, projetando neles nossos desejos e opiniões sobre muitas coisas e esquecendo que ali existe um ser humano único, e não um papel em branco para gente escrever como bem entende.
Me lembro muito bem de adultos olhando para ele e me perguntando “nossa! Mas você deixou?”. Como se fosse algo que eu devesse controlar. Claro que devemos cuidar das crianças, mas cortar o cabelo não é algo gigante. É algo efêmero, cresce de novo e a vida segue. Mas, o senso comum por vezes entende o corpo da criança como um terreno a ser controlado. Vocês também têm essa percepção?
Acho que quis trazer essa história pessoal porque para mim foi um momento marcante da minha trajetória como pai. Ali eu tive de tomar um caminho baseado no que acredito. A liberdade e respeito pelo meu filho. E o bom é que é um tema fácil. É só cabelo.
Mas, a vida vai convidar a gente e exercer esse respeito e liberdade em situações mais complicadas, como por exemplo, quando eles forem mais velhos e escolherem a profissão que não consideramos boa o suficiente, ou quando eles escolherem o relacionamento que não achamos saudáveis ou ainda se escolherem uma religião diferente da nossa. E tenham certeza absoluta, esses dias irão chegar.
Se eu não conseguisse dizer sim para o respeito através de um corte de cabelo, como iria conseguir dizer sim para o respeito frente a esse tipo de coisa mais complicada? Como conseguiria acolher meu filho na sua essência mais profunda se nem um corte eu fui capaz de aceitar?
Espero ter conseguido passar a ideia geral da coisa toda. Foi importante para mim e talvez seja uma reflexão legal para vocês também.
Henrique Costa Barros (CRP: 06/210223)
Psicólogo Clínico e Educador Parental do Vivência e Convivência
@psi_henrique.costa